História do domingo: Borboletas amarelas
Aprender a sentir
O amor não é um enigma a ser desvendado, mas uma poesia a ser vivida. sua essência é feita de mistério, frio na barriga e intuições que o coração entende antes da mente.
O amor não é louco


Na última terça-feira, faleceu a escritora Marina Colasanti, aos 87 anos de idade. Ela tinha Doença de Parkinson e morreu em sua casa em Ipanema, em decorrência de uma pneumonia.
• Premiada e autora de mais de 70 obras, Marina falava sobre temas como o feminino, o amor, as relações humanas e a solidão.
Na citação acima, ela segue a ideia de que o amor tem a sua própria lógica, um entendimento que vai além das palavras e da razão.
É como se o amor fosse uma força mística, um rio profundo, que flui por onde quer, sem se preocupar com as nossas ponderações racionais e falhas tentativas de compreendê-lo.
Nós, pobres seres humanos, tentamos entender esse rio com redes de lógica, ciência e intermináveis listas de requisitos que consideramos essenciais em um parceiro.
• Mas como já escreveu Martha Medeiros: “Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano.”
Essas são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
O amor não é um enigma a ser desvendado, mas uma poesia a ser vivida. Sua essência é feita de mistério, frio na barriga e intuições que o coração entende antes da mente.
Clarice Lispector já disse que “fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.”
No fim, talvez seja essa a beleza do amor: não se preocupar em entender. Antes de buscar uma razão lógica para os amores e desamores, a gente precisa aprender a sentir.
Borboletas amarelas
(Baseado em uma história real)

O Hernan é da Guatemala, e pede desculpas se algum erro gramatical aparecer no seu texto. A Dai é brasileira, e está ajudando-o a aprender português.
Os dois se conheceram trabalhando em um projeto da empresa — Artemis era o nome da empreitada. Já tinham se visto algumas vezes em reuniões, mas sem grandes emoções. Nunca tinham, de fato, se observado.
• Até que, em uma noite de quinta-feira, a equipe do projeto saiu pra tomar alguns drinks e o Hernan sentou ao lado da Dai.
Conversaram sobre literatura, e foi uma coincidência linda descobrir que os escritores preferidos dela eram justamente os que ele estava acompanhando para aprender português — principalmente Conceição Evaristo, que escreveu “Olhos D’água”.
No decorrer das horas, eles conversaram muito, riram, e suas mãos se tocaram algumas vezes. Quando passou um vendedor ambulante com rosas de plástico, a Dai comprou uma para o Hernan. Foi nesse momento que ele disse que se apaixonou.
No dia seguinte, Hernan estava indo pro Rio de Janeiro curtir o Carnaval. Era a sua primeira vez presenciando esse espetáculo brasileiro, e as expectativas estavam altíssimas.
Quando foi procurar seu cigarro, encontrou a flor de plástico da noite anterior. Pensou na Dai e levou a flor pro bloquinho.
• Tirou fotos dela na praia, no hostel, nos restaurantes e no meio da folia. Viveu o Carnaval pensando nela.
No último dia, Hernan acabou se perdendo em Copacabana, mas encontrou um bolo e foi até a multidão dançante. Como o destino é arteiro, descobriu que era um bolo em homenagem à Conceição Evaristo… Mas as surpresas não param por aí.
A escritora estava lá em cima do trio. E o Hernan estava lá. E a rosa estava lá. Ele tomou coragem e entregou a flor de plástico para a Conceição, e até tirou uma selfie pra comprovar.
No dia seguinte, enviou uma mensagem pra Dai dizendo que tinha “uma boa e uma má notícia.”
• Ela respondeu que queria a má notícia primeiro, e ele disse que deu a rosa que tinha ganhado pra outra mulher. Sem dar muita bola, Dai respondeu: “Que bom! Alegrou o dia de alguém.”
E aí ele contou que a boa notícia era que essa mulher era a Conceição Evaristo, de quem eles conversaram com tanta paixão. Ele mandou a foto e eles começaram a acreditar em magia.
No dia 29 de fevereiro, Hernan escreveu a sua primeira carta pra Dai. Lembrando que 29/02 só acontece a cada 4 anos, ele disse que “um encontro como o dos dois era só uma vez na vida.”
Logo depois, Dai foi pra Cidade do México a trabalho, onde o Hernan mora. Na quinta-feira, saíram pra jantar — e roubaram pequenos copos de mezcal pra lembrar pra sempre desse encontro.
No sábado, foram a uma livraria de rua, e ele a esperou com uma câmera de fotos instantâneas na mão. Quando estavam indo jantar, Hernan tirou uma foto da Dai — que saiu borrada porque ele estava nervoso demais.
• Depois disso, tiveram uma noite maravilhosa, mágica. Caminhando pela rua, falando sobre a rosa, petiscando comida mexicana, tomando alguns drinks e dançando cumbia até o sol raiar.
Após alguns meses, viajaram pra Costa Rica. Em uma noite, jantando de frente pro mar, conheceram uma criança com o nome mais particular do mundo, “Artemis”, assim como o projeto que os uniu.
Já se juntaram várias vezes no Brasil. E no México. E na Colômbia. E em qualquer lugar que dê pra encontrar.
Segundo o Hernan, o amor deles é uma loucura. Seja correndo nu para o mar em plena noite chuvosa ou se encontrando em um corredor do escritório. Abraços de chegada e abraços de partida.
Ele já viveu outras histórias, foi casado e tem duas filhas. O amor com a Dai começou tarde, mas chegou na hora certa.
O Hernan diz que ele, Dai e suas duas filhas são como quatro borboletas amarelas, que simbolizam a felicidade, a beleza e a renovação.
Os dois sabem que se conheceram em outras vidas, e escolheram seguir juntos nessa — e em todas as outras que virão.
No próximo final de semana, se encontrarão na Colômbia, para celebrar o aniversário da Dai.
As despedidas e reencontros são sempre difíceis, mas Hernan cita Maxwell Santos pra dizer: “Eu vou te esperar, e se parecer exagero, eu irei esperar mais um pouco. Te espero hoje como te esperei ontem. Eu vou te esperar todo dia.”
• Por questões profissionais, eles ainda não têm uma data, mas já sabem que vão morar juntos muito em breve.
Desafiando o tempo, o espaço e todas as circunstâncias possíveis, o Hernan e a Dai sabem que encontraram o que todo mundo passa a vida inteira procurando. Amar também é sorte.
Texto e imagens: The stories/Reprodução
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