História do domingo: Espera Feliz
Atualizado: 25 de nov.
Céu nublado
Como já dizia Fernando Pessoa, "um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. ambos existem; cada um como é."
Cada um como é
Já reparou que a nuvem sempre é usada como metáfora para situações negativas? Um dia feio é um dia nublado. Se as coisas não parecem boas, dizemos que não há nuvens no horizonte.
• A única coisa bonita da nuvem é o seu contorno cintilante. Mas isso não é a nuvem, é o sol brilhando atrás dela.
Tá, sabemos que os raios solares auxiliam na produção de endorfina e serotonina — os famosos “hormônios da felicidade”—, mas o nosso psicológico também contribui pra transformar a nuvem nesse “vilão meteorológico”.
Indo na contramão, o pintor inglês John Constable (1776-1837) gostava de retratar o céu. E não um céu azul com raios de sol. Um céu nublado! Um céu denso e carregado de nuvens.
Mas ao contrário da crença geral, o céu nublado de John Constable não era sombrio. Suas nuvens eram belas, alegres e descontraídas.
Assim, admirar um de seus quadros é como voltar pra casa depois de uma viagem longa e descobrir que a nossa cama é o melhor lugar do mundo. Ou encontrar um conhecido “sem graça” e engatar em um papo interessante.
• Admirar os quadros de John Constable é ver algo muito familiar — um céu nublado — e, ao mesmo tempo, ver algo pela primeira vez.
Aprender a admirar um céu nublado é aprender a enxergar o mundo de maneira diferente. É transformar o “sem graça” em algo maravilhoso. É trocar o mau humor pela curiosidade.
No final das contas, um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Admirando os quadros de John Constable ou seguindo os ensinamentos de Fernando Pessoa, ambos existem; cada um como é.
Espera Feliz
(Baseado em uma história real)
Já faz um bom tempo que a Talita tenta encontrar as palavras certas pra escrever a sua história, porque ela não pode ser contada de qualquer jeito. Sabe quando você quer que seja especial?
• Então, pra começo de conversa, ela nasceu em uma cidade bem pequena chamada Espera Feliz, onde viveu por 23 aanos.
Sempre foi muito sentimental e emotiva, compartilhando desse amor pela vida com a sua mãe, Eliane.
Mas Eliane não era uma mãe qualquer. Ela era A mãe. Daquelas que pensava em tudo, planejando cada detalhe pra agradar todos ao seu redor. Sempre fazendo mais para os outros do que pra ela.
Em todo aniversário da Talita, sua mãe a acordava às 08:30 para ser a primeira a dar parabéns. E aí ela fazia pizza para o almoço e bolo de chocolate no lanche da tarde. Seus preferidos.
Eliane era uma excelente cozinheira. Segundo ela, o segredo era cozinhar com amor. Ah, ela também dizia que quem estava com fome nunca acharia ruim a comida, pois a fome é o melhor tempero.
• Mesmo quando a vida não ia muito bem, a Talita lembra de ouvir a sua mãe dizer: vai dar tudo certo. E sempre dava mesmo.
Elas amavam assistir filmes de amor e drama, principalmente os “baseados em fatos reais”. Faziam isso petiscando biscoitos de nata ou doce de abóbora com lascas de coco.
Aos sábados de tarde, elas amavam passear no centro da cidade, parando na loja de fotografia pra revelar algumas fotos. Ah, sentar na lanchonete pra pedir coxinha, kibe e suco de laranja também.
A mãe da Talita foi quem a inspirou a querer conhecer o mundo, ser uma pessoa melhor e fazer o bem todos os dias. Mesmo vivendo no interior, incentivou a filha a trabalhar duro e ir em busca dos sonhos.
• Assim, aos 23 anos, a Talita saiu de Espera Feliz pra viver no Rio de Janeiro. Foi difícil deixar a família, mas ela precisava partir.
Depois de 10 anos morando longe, em setembro de 2020, ela deu o primeiro passo pra abrir o seu próprio negócio. Depois de vários desafios profissionais, a vida parecia estar caminhando.
Até que, uma semana depois, sua mãe descobriu um tumor. Era câncer, e foi tão devastador que ela só teve mais 6 meses de vida.
Talita sempre gostou de imaginar a sua vida como se fosse um filme. E naquele momento, ela queria muito que a morte da vida real fosse como naqueles filmes que as duas costumavam assistir.
• Onde as pessoas têm tempo para fazer tudo aquilo que gostariam de fazer juntas. Onde elas se despedem com palavras bonitas.
Mas na vida real não é assim. Quando a Eliane se foi, a Talita estava no hospital, e pensou de verdade que morreria junto com ela. Sentiu uma dor inexplicável, dessas que perfuram o nosso corpo.
Mas ela acha que só conseguiu passar por tudo isso porque a sua mãe a ensinou a ser forte. A ensinou a enxergar beleza no céu nublado, no café ficando pronto e no biscoito de nata no meio da tarde.
Ela demorou pra escrever essa história porque sabia que as lágrimas iriam escorrer. Mas, hoje, a Talita não quer mais ficar triste. Isso é injusto com a Eliane, que fazia de tudo pra vê-la feliz.
• Ela queria que a sua mãe estivesse aqui pra ver onde ela chegou. Suas conquistas, seu casamento, seu sucesso profissional.
Mas nem toda história tem um final feliz. Por isso, hoje, ela só quer agradecer e lembrar da mãe maravilhosa que teve por 32 anos. Só isso já vale mais do que uma vida inteira.
Se a Eliane pudesse escutar a Talita, ela gostaria de falar pra ela que sempre lembra da sua voz dizendo: Deus te proteja, te guarde e guie, minha filha. E ainda se sente segura e protegida.
Ela poderia escrever um livro inteiro pra falar da sua mãe, mas prefere finalizar com Carlos Drummond de Andrade, “mãe não tem limite, é tempo sem hora e luz que não apaga. Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.”
Texto e imagens: The stories/Reprodução
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