História do domingo: "Está tudo bem"
O vento leva
Quase tudo vai embora, mas, como já dizia adélia prado, “o que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível”.
As coisas mais leves
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
Esse poema é do Mario Quintana — que já apareceu algumas vezes por aqui —, e ficou conhecido como “poeta das coisas simples”.
• Seguindo a fama, ele começa o texto dizendo que “as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar”.
Qual a lembrança mais marcante da sua infância? Qual comida tem sabor da casa da sua avó? Qual a memória mais antiga que você tem com seus amigos? Qual amor você nunca esqueceu?
Mesmo que os filmes e livros enalteçam os grandes momentos, se você parar pra pensar, vai ver que são os detalhes mais sutis e banais que acabam marcando a nossa vida.
Seja um estribilho antigo ou um carinho no momento preciso. O folhear de um livro de poemas ou um cafuné numa tarde de domingo. Um pé enroscado na preguiça ou um abraço apertado de saudade.
• Um cheiro de café ficando pronto ou do bolo de fubá saindo do forno. Um cheiro de pele que é ainda mais gostoso do que de perfume.
E é nesse cheiro e nesse toque que a gente escolhe ficar. É nesse enroscar de mãos e no silêncio compartilhado. É na risada despretensiosa e no cuidado com os detalhes da rotina.
Ainda que os grandes gestos tenham lá o seu lugar, Martha Medeiros já dizia pra gente guardar “apenas o que tem que ser guardado: lembranças, sorrisos, poemas, cheiros, saudades, momentos.”
No fim, a gente descobre que a felicidade é simples. A gente descobre que tudo que é pesado o vento leva. Finalizando com as palavras da Adélia Prado, “o que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível”.
“Está tudo bem”
(Baseado em uma história real)
O “R” e a “D” se conheceram em 2018, por intermédio de uma amiga em comum. Sabe aqueles grupos de WhatsApp que a gente cria quando vai comemorar aniversário?
• Então, essa amiga fez um desse pra organizar a festa. Na época, o R. morava em São Paulo, e estava entrando na faculdade.
Durante o evento, uma menina “desconhecida” mandou uma mensagem pra ele. Era a D. Apesar de não ter ido na festa, ela decidiu tomar a iniciativa e puxar um papo pelo WhatsApp.
A D. morava no interior, em uma cidade bem pequena, e chegou a viajar todos os dias para frequentar a escola, em uma cidade vizinha. Foi lá que ela conheceu a “amiga cupido”.
O R. sempre foi bem introvertido. Nunca teve facilidade para se aproximar de outras pessoas. Mas, por algum motivo, essa desconhecida que morava a alguns km de distância chamou sua atenção.
• Desde os primeiros dias de conversa, eles se deram muito bem. Compartilhavam do mesmo interesse por arte, leitura e cigarros baratos.
A conexão dos dois foi muito forte. Eles escreviam poesias, desenhavam e criticavam o mundo como dois amantes da época das navegações — que, na arte, encontraram um refúgio para o amor.
Pelo que o R. se lembra, a D. gostava de “doces de velho”, roupas coloridas e caminhadas de madrugada. Tudo que ele não vivia em seu pequeno grande mundo na cidade.
Ela era de uma família extremamente tradicional, e precisou enrolar por 2 meses — e inventar a desculpa de “ir visitar uma tia na cidade grande” — para que eles pudessem se encontrar.
• Tiveram um primeiro encontro bem juvenil: dois adolescentes no shopping do centro da cidade.
Mesmo assim, foi um dos melhores da vida dele. A D. era bem menor do que ele pensava, e tinha o cabelo bem liso, um pouco abaixo dos ombros. Ela tinha um olhar tímido, escondido atrás dos óculos.
Eles assistiram o pior filme que tinha no catálogo — Coração de Cowboy —, e riram todas as vezes que lembraram do pós-créditos, onde Chitãozinho e Xororó apareciam cantando “Evidências”.
Foi nesse mesmo dia que o R. excluiu todos os seus outros contatinhos. Nenhuma outra menina era mais interessante que a D.
• Eles namoraram por alguns meses. Tiveram poucos encontros, já que a distância apertava.
Mas, todas as vezes que se encontravam, era especial. A D. cuidava do R. em todos os detalhes. E ele se esforçava pra que ela se sentisse amada. Juntos, eles sempre estavam "em casa”.
Esse namoro à distância entre jovens teve um fim em 2019. O D. sabe que, para muitos, essa seria só mais uma história boba. Mas, pra ele, foi — e sempre será — inesquecível.
No decorrer dos anos, os dois se afastaram completamente. Ele terminou a faculdade de Letras, se mudou pra uma cidade pequena, teve vários empregos desastrosos e jogou fora todos os poemas e desenhos que fez.
Teve vários outros encontros, namorou outras pessoas e conheceu uma mulher incrível — com quem está até hoje.
• Na semana passada, o R. ficou sabendo que a D. está partindo pra Argentina, e vai começar o curso de Medicina que sempre sonhou.
Saber disso o fez relembrar esses momentos — e escrever essa história. O R. confessa que passou anos esperando por um reencontro, mas sabe que nem todas as histórias de amor precisam de um novo fim.
Ele está feliz, com pessoas incríveis ao lado, e com a certeza de que pode conquistar muitas coisas na vida. Ainda assim, queria poder ler um último poema da D.
Queria ouvir ela cantar, enquanto ele toca o violão desafinado. Ver os seus desenhos e criticar o governo. No fim, ele queria que eles pudessem ter um final feliz.
• Não juntos. Na verdade, o R. só queria tentar substituir a dor da partida pela felicidade de saber que está tudo bem.
Criar a consciência de que, apesar de não ter sido pra sempre, foi muito bom. No fundo, ele sabe que esse sonho de verão nunca iria dar certo — mas não deixa de agradecer pelo que viveram.
D., se você estiver lendo, o R. espera que você encontre tudo o que deseja. Que conheça pessoas incríveis e continue compartilhando seu apreço pela arte e pelo mundo. Ah, ele também deseja que você encontre um amor.
O R. acha que esse não deve ser o melhor relato que o “the stories” já recebeu, mas, mesmo assim, ficou com vontade de compartilhar. No fim, alguns amores não precisam dar certo. E tudo bem também.
Texto e imagens: The stories/Reprodução
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