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História do domingo: Longe é um lugar que não existe

Relicário

Aos domingos, tudo parece mais intenso. principalmente a saudade de algo, de alguém ou de algum momento.


Sagaran

Não gosto desse passarinho. Não gosto de violão. Não gosto de nada que põe saudades na gente.
- Guimarães Rosa

A frase é do conto “Minha Gente”, do livro “Sagarana”, de Guimarães Rosa — que já apareceu algumas vezes por aqui.


• O conto estrutura-se como uma espécie de paródia, meio sentimental e meio irônica, das histórias de amor com final feliz.


Na frase destacada, o narrador parece desprezar aquilo que um dia já lhe trouxe felicidade. Ao dizer que “não gosta desse passarinho e não gosta de violão” seu desgosto está focado em outra coisa.


Tanto que, logo depois, ele afirma que “não gosta de nada que põe saudade na gente”. Ou seja, o problema do passarinho e do violão são as lembranças que vêm junto com eles.


Mas por que será que dói tanto lembrar? Será que era melhor não ter vivido nada daquilo que se acabou? Será que só dá pra viver o presente apagando as memórias do passado?


• Contrariando essa ideia, Peninha diz que “saudade é melhor do que caminhar vazio”, preferindo as lembranças do que a falta de vida.


Mario Quintana afirma que “a saudade é o que faz as coisas pararem no tempo” e Cecília Meirelles nos lembra que os nossos dias são feitos “de pequenos desejos, vagarosas saudades, silenciosas lembranças.”


E aí, a gente pensa no Carlos Drummond de Andrade e deixa de lastimar a falta. Porque não existe falta na ausência — “a ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços.”


A gente começa a gostar do passarinho. E a gostar do violão. E a gostar de tudo que põe saudade na gente.


A gente abraça o passado, para poder viver plenamente o agora. Porque o agora é tudo que temos. E se não o aproveitamos de todo, vivemos com saudade do presente.


Longe é um lugar que não existe

(Baseado em uma história real)

A Elisa é uma leitora diária do the news, mas confessa que o seu coração espera mesmo é pelo the stories de domingo.


• Há tempos que ela pensa em escrever sobre a história de amor mais intensa que pôde ver e viver de perto. Afinal, é fruto dela.


Elisa é filha do Nilson e da Luciana. Eles começaram a namorar quando ele tinha 16 anos, e ela, 14. Primeiro namoro e primeiro amor dos dois.


Luciana veio de uma família de 8 filhos e cresceu vendo o amor e a cumplicidade dos avós da Elisa — que até dançavam juntos ao som de uma vitrola aos domingos de manhã.


Já para Nilson, amor e carinho nunca fizeram parte da criação. Sendo o mais novo de 4 irmãos, foram raríssimas as vezes em que ele ouviu um “eu te amo” dentro de casa.


• Ele diz que foi com a Luciana que aprendeu o real significado de família. E, desde então, viveu para ela e por ela.


Em 1990, a Elisa chegou pra bagunçar tudo. Seus pais eram muito novos quando ficaram sabendo da gravidez, mas Nilson não teve dúvidas, nem por um segundo, iam se casar.



A Elisa diz que até poderia dizer que eles “foram felizes para sempre” e fim da história, mas não estaria sendo condizente com a realidade. A vida deles foi cheia de provações, mas os dois permaneceram unidos.


Nilson era caminhoneiro, amava a estrada — principalmente a que o trazia de volta pra Luciana.


• Ele estava longe de ser perfeito, mas sentia o maior prazer do mundo em fazer o bem. Para as pessoas e para os animais.


A Elisa lembra de ver seu pai chegando em casa com vários cachorrinhos e gatinhos, na cabine do caminhão. Não tinha muito pra oferecer, mas dava o que tinha.


E quando via alguém que não pudesse ajudar, como um andarilho na beira da estrada, Nilson ensinou a Elisa a abençoar essa pessoa, pedindo a Deus por sua proteção. Sem julgar as escolhas que a levaram até ali.


Mas mesmo sendo amante da estrada, ele nunca conseguia ficar muito tempo longe de casa. A saudade da família doía demais.


Parafraseando o filme de Karim Aïnouz, “tudo perde sentido quando me lembro de você. Trabalhar me dá angústia por não poder tê-la ao meu lado nas 24 horas do dia. Mas não se esqueça jamais: Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo.”


Mas ele não voltou. Sua última viagem foi no dia 25/09/2019. Nilson morreu carbonizado em um acidente, pouco tempo depois de falar “eu te amo” com a Elisa e a Luciana.


• Hoje, já fazem 5 anos que ele se foi. No mês passado, os dois completariam 38 anos de namoro.


A Elisa vê a sua mãe se refazer dia após dia, desde o pior dia da vida delas. Saudade e a dor passaram a fazer parte da casa. Alguns dias são mais fáceis, outros mais difíceis.


Mas ela diz que é lindo ver o quanto sua mãe se dedica a conquistar e realizar os sonhos que eles tinham, vivendo esse amor além da vida.


Ironicamente, o primeiro presente que o Nilson deu pra Luciana foi o livro “Longe é um lugar que não existe”, de Richard Bach. E, realmente, a distância nunca foi um empecilho pra eles.


• Além do olhar gentil pro outro, a Elisa herdou dos seus pais o gosto musical. Os três deitados no chão da sala, ouvindo Legião Urbana e acalmando o coração.


Relicário, do Nando Reis, na voz da Cássia Eller, foi a faixa que eles elegeram como a música deles, em 2001. E depois que Nilson se foi, Elisa e Luciana passaram a carregá-lo em relicários no peito.


Apesar de ter ficado viúva aos 47 anos, quando alguém diz que ela deve buscar outro relacionamento, Luciana responde que já viveu o seu grande amor da vida. E a Elisa respeita isso.


Afinal, ela viveu 33 anos de um amor avassalador. A maioria das pessoas nunca nem o encontra.


Enquanto isso, Elisa se casou e teve duas filhas. Mesmo longe, seu pai é tão presente que até a Helena, com 3 anos de idade, fala constantemente do vovô que nunca conheceu.


• Pequenos milagres diários mostram que o Nilson vive com elas. E que o céu é logo ali.


Afinal, como dizia Richard Bach, no livro que a Luciana guarda na cabeceira, “podem os quilômetros separar-nos? Se você quer muito estar com alguém a quem ama, já não está lá?”


Extra!

Sartre tinha razão

(Carta aberta)

Quando me inscrevi no the stories, achei que era só sobre histórias que “deram certo”. Mas não é porque algo não chegou na porta da igreja que não tenha significado, né?


Acho que a pior coisa em tentar se proteger de se machucar é que acabamos nos privando de viver, e isso pode gerar muitos arrependimentos.


Tínhamos 16 anos e estávamos no ensino médio. Fui morar com minha tia, e, por uma boa coincidência, ele era meu vizinho. Nossos encontros em frente à calçada eram sagrados.


Um dia, ele me mandou uma mensagem falando pra eu olhar pra janela e ouvir uma música. Ele aumentou o som e tocou "Photograph", do Ed Sheeran. Achei o máximo, é muito gostoso ter uma música com alguém, chamávamos aquela de a ‘’nossa música’’.


Ele tinha um colar que eu sempre elogiava. Um dia, também na calçada, ele me deu esse colar.


• O pingente era um leme de navio, e quando ele me entregou, disse: “você tem o controle da própria vida”.


É tão difícil fazer escolhas... Esses dias, ouvi em uma palestra que, por ser tão difícil, saímos pedindo conselhos. E foi isso que fiz, pedi conselhos para pessoas que também estavam vivendo pela primeira vez, e elas disseram: “se não tiver certeza dos sentimentos, não arrisque.”


E aí eu nunca falei pra ele como eu me sentia. E nunca descobri se ele sentia o mesmo que eu. E eu sei que essa paixão adolescente vai parecer imatura e pequena pra quem já decidiu sossegar em um amor estável, mas não deixa de ter significado pra mim.


Ano que vem me formo em psicologia, e durante a graduação estudei sobre um cara chamado Sartre que disse: “estamos condenados a ser livres”. Sartre tinha razão: estamos condenados a ser livres, e temos que nos responsabilizar pelas consequências das nossas escolhas.


Eu não tenho o controle de tudo na minha própria vida, como meu vizinho me disse, “têm coisas que não dá para ter.” Mas, a partir de agora, eu escolho me arriscar em vez de fugir.


• Essa é a minha história de amor, não a da minha vida, mas talvez a que me preparou para a que virá a ser. Ele achou a dele, e é bonito ver de longe.


Não somos mais vizinhos, não moramos mais na mesma cidade, mas eu ainda tenho aquele colar que ganhei aos 16 anos e ainda guardo as memórias em fotografia. E a música do Ed Sheeran ainda está aí para me lembrar que, de certa forma, “o tempo está congelado para sempre”.


Texto e imagens: Extraído do The stories / Reprodução

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