História do domingo: Obrigado pelo nosso tempo juntos
Pensando em você
Mariana, se você estiver lendo isso, fica o recado: o henrique acordou escutando Frank Sinatra e pensando em você.
Ao Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza. Por aquelas mergulha no infinito, e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, a antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança. Mais triste? Não. Ele venceu a dor, e resplandece no seu canto obscuro, tanto mais velho quanto mais amor.
Esse poema, de Carlos Drummond de Andrade, fala sobre um amor que acabou. Daquele amor antigo que a gente fala que já esqueceu — mas sabe que ainda existe em algum lugar.
• O eu lírico acredita na perenidade do sentimento, que sobrevive sem a necessidade de estímulos externos.
Sugerindo, assim, que esse amor antigo não precisa ser alimentado por gestos ou palavras. Ele existe por si só, sustentado pela memória, pelo sofrimento e pela beleza do que passou.

Como já dizia Hilda Lucas, “os relacionamentos podem acabar, mas não o vivido.” E isso não se trata de memória, nem de “detalhes tão pequenos de nós dois”. Não se trata de viver no passado, nem de não aceitar os fatos.
• Trata-se de uma vida bem vivida que não pode nem deve ser perdida. Tudo o que vivemos e sentimos vira acervo, fonte, ferramenta; é nosso para sempre.
E aí, em um domingo qualquer, as lembranças do seu iPhone te mostram aquelas fotos antigas. O aleatório do seu Spotify toca a música que vocês cantaram juntos na estrada.
Uma fitinha da Bahia te lembra de um amor de verão, e de como você foi feliz naquele Carnaval em Salvador.
E aí você comprova que tudo vira acervo. Que a saudade, um dia, pare de doer. Você ama não porque espera retorno, mas porque amar é sua condição, sua própria razão de ser.
Finalizando com Jorge Amado, “o amor eterno não existe. Mesmo a mais forte paixão tem o seu tempo de vida. Chega seu dia, se acaba, nasce outro amor. Por isso mesmo o amor é eterno. Porque se renova. Terminam as paixões, o amor permanece.”
Obrigado pelo nosso tempo juntos
(Baseado em uma história real)

Toda quinta-feira, o Henrique vai ao cinema. É uma tradição que ele tem desde a época do colégio — e segue religiosamente.
• Às vezes acompanhado, às vezes sozinho. Geralmente no cinema de rua que tem perto do seu trabalho.
Na quinta passada, ele assistiu “Meu Bolo Favorito”, filme iraniano que conta a história de Mahin, uma viúva de 70 anos que vive sozinha no Teerã. O longa fala de política, amor e solidão.
Ele adorou e recomenda fortemente que os leitores também assistam, mas a história de hoje não tem nada a ver com o filme.
É que na fila do cinema, Henrique viu um casal de jovens bem apaixonados. Ele chuta que era o primeiro date. Ela pediu coca-zero e pipoca salgada. Ele pediu guaraná e pipoca doce.
• Henrique olhou para aquela cena e lembrou de uma quinta-feira de 10 anos atrás. Meu Deus, já faz 10 anos que isso aconteceu?
É estranho pensar que o Henrique já foi esse jovem apaixonado. É mais estranho ainda pensar que ele sempre pedia guaraná e pipoca doce. E a Mariana sempre pedia coca-zero e pipoca salgada.
Henrique estaria mentindo se dissesse que pensa nela todos os dias, mas afirma com convicção que, sempre que pensa, é com muito carinho… E essa quinta-feira foi um desses dias.
Eles se conheceram sem querer. Trocavam alguns olhares e sorrisos, até que a Mariana deu o primeiro passo pra aproximação — você não enjoa de comer pipoca doce?
• No mesmo dia, já sentaram lado a lado na sala de cinema. Deram um beijo no final do filme e trocaram contato na saída.
Passaram a se encontrar toda quinta-feira, até que também emendaram pra sexta, sábado e o final de semana inteiro. Sabe quando sempre dá vontade de encontrar de novo?
Eles assistiram a muitos filmes, mas também foram a barzinhos, cafeterias e festinhas. Conheceram a vida um do outro. Os medos, as angústias, as risadas, os gostos e desgostos.
Você já ouviu “The Way You Look Tonight”? Em um dia qualquer, no apartamento do Henrique, essa música começou a tocar.
Olhando pra Mariana, ele sentiu que a letra era real: “algum dia, quando eu estiver terrivelmente pra baixo, quando o mundo estiver frio, eu vou me sentir brilhar só de pensar em você.”
• Tomaram um gole de vinho, e ele disse que sempre lembraria dela ao escutar essa música. Até hoje ele lembra mesmo.
Ele também lembrou dela quando escutou a música nova do Bad Bunny. Na letra, o porto-riquenho diz que “queria te contar as coisas que não te contei e tirar as fotos suas que eu não tirei.”
Henrique lembra da roupa que a Mariana estava usando naquele domingo de sol, em que eles exageraram na cerveja. Estava tudo embaçado, mas o olhar dela nunca tinha sido tão nítido.
Ah, inclusive, ele até comprou uma câmera analógica pra consertar esse erro do passado. Alguns momentos merecem registro.
Agora, você, leitor, deve estar se perguntando como essa história acabou. O Henrique entende isso, mas prefere focar nas lembranças do “durante”.
É que o final não importa tanto assim. A gente sempre foca nos motivos que fizeram o amor ir embora, mas será que não vale mais a pena pensar naqueles que fizeram o amor ficar?

Clarice Lispector já disse que a “saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.”
• E ainda que essa história tenha chegado ao fim, o Henrique agradece por ter sentido essa urgência.
Agora, ele está tomando um café, escutando “The Way You Look Tonight” e lembrando da Mariana. Ele não faz ideia de onde ela está agora, mas espera que ela esteja bem. Com um chocolate quente e um misto só de queijo, do jeito que ela gostava.
Ele espera que ela continue frequentando cinemas de rua e livrarias com café, não tenha desistido das aulas de violão e tenha tomado coragem pra andar de bicicleta.
O Henrique também queria aproveitar esse espaço pra se desculpar. “Desculpe por ter tido medo. Desculpe por não ter falado ‘eu te amo’ quando já sabia que te amava. Desculpe por ter desistido da gente.”
Em um e-mail do the stories, ele leu que existe uma tradição numa cidade histórica italiana onde se queimam papéis com sentimentos que queremos deixar pra trás. Segundo ele, essa seria a sua mensagem: “obrigado pelo nosso tempo juntos. Perdoe-me se falhei contigo”.
Texto e imagens: The stories/Reprodução
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