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História do domingo: Se sentir saudade, me avisa

Aquarela


Aurora se sentir saudade, me avisa pra eu saber se o dia será azul ou cinza.


Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.


Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.


Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros.


O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. 


Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham.


Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.


No texto acima, Clarice Lispector segue a ideia de Guimarães Rosa, de que alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma.


• Falando sobre a embriaguez que o sentimento causa, ela mostra como o amor se encontra em horinhas de descuido.


Quando a gente anda pelas ruas falando e rindo. Quando a risada do outro mistura com a nossa. Quando estamos tão distraídos no encontro que nem percebemos o amor nascer.


Quando o nosso pé se esbarra no pé do outro. Quando uma mensagem faz disparar o coração. Quando o sentimento é tão gostoso que a gente não quer — e nem precisa — dar nome pra ele.


Mas aí, a gente começa a prestar atenção, e de súbito exigentes e duros, queremos ter o que já temos.


• Perdemos a levíssima embriaguez de andarmos juntos, e transformamos o sentimento em cobrança.


Parafraseando Caetano Veloso, deixamos o ciúme lançar sua flecha preta, que faz calar quem canta e deixa almas esticadas no curtume. Que transforma o amor em algo nem alegre, nem triste, nem poeta.


Saindo do abstrato e indo pra vida real, a gente sabe que a embriaguez não dura pra sempre. A gente sabe que uma relação precisa de diálogo, e que a dança dos erros também faz parte da vida.


Mas, ainda que o sentimento precise de cuidado, ele só sobrevive se a gente cultiva a distração. Voltando para Guimarães Rosa, a felicidade — e o amor — se encontra em horinhas de descuido.


Se sentir saudade, me avisa

(Baseado em uma história real)

A história de amor da Tereza é só mais uma entre tantas. Para alguns, pode até parecer banal, mas ela acredita que é muito sortuda por ter vivido um encontro tão avassalador.


• Em uma viagem de trabalho, ela acabou tendo que dividir quarto com a Aurora — que, até então, era uma desconhecida.


A pousada era no interior, e não tinha mais nenhum quarto vago. A Tereza chegou numa segunda-feira. A Aurora apareceu na quarta de manhã.


Depois de tomar banho, a Tereza percebeu que sua colega de quarto parecia meio pra baixo. Perguntou se tinha acontecido alguma coisa, e ela respondeu que estava só cansada da viagem.


Até que, as duas começaram a conversar, e a Aurora soltou: vou te contar tudo, nunca mais vou te ver mesmo.


E aí ela foi falando sobre a sua vida, e a Tereza sobre a dela. Compartilharam problemas de família e relacionamento. Dividiram detalhes íntimos que nunca tinham falado em voz alta.


• Os colegas de trabalho chamaram as duas pra jantar, e a Tereza lembra de ter engolido a comida correndo, só pra voltar logo pro quarto.


Ela deitou na cama e, enquanto observava a Aurora, fingia estar lendo seu livro de cabeceira, “Belo Desastre”, que parecia até ser um prenúncio do que ela estava prestes a vivenciar.


As duas voltaram a conversar, e a Aurora disse que não dormia sozinha há muito tempo. Sem segundas intenções, a Tereza a convidou pra dormir com ela.


Ficaram a noite inteira agarradas, e o cheiro das duas se misturou. De algum modo, a alma da Tereza já conhecia a da Aurora. Usando as palavras da Amanda Lovelace, foi como voltar para casa depois de um dia muito, muito longo.


No dia seguinte, já com terceiras intenções, a Tereza mandou uma mensagem dizendo que queria muito um beijo da Aurora. A Aurora disse que a vontade era recíproca.


Aí elas voltaram pro quarto, e ficaram juntas de verdade. A Tereza disse que foi a conexão mais forte e profunda que ela já sentiu — e que teve até vontade de falar eu te amo naquela noite.


• No dia seguinte, a Tereza voltou pra sua cidade, e a Aurora também. Entre elas, havia 620 km de distância.


Passaram a se falar todos os dias. Eram mensagens, ligações de vídeo e fotos trocadas. Sabiam que aquilo ali não iria pra frente, então combinaram de se ver só mais uma vez.


Cada uma viajou 300 km, e elas se encontraram em uma pousadinha no meio do caminho.


A Tereza conta que elas saíram para um bar e dançaram forró. Fumaram cigarro em uma calçada no meio da madrugada, e disseram eu te amo em uma troca de olhares. Prometeram que tentariam ficar juntas.


• Mas a Tereza tinha um pensamento mais livre sobre o amor, e a Aurora disse que a queria só pra ela.


As duas acabaram discutindo, e quebraram a promessa de tentar. A Tereza não falou isso pra Aurora, mas desde que a conheceu, nunca pensou que seria capaz de amar outro alguém.


Já faz alguns meses que elas se falaram pela última vez, mas a Tereza ainda pensa na Aurora todos os dias.


Uma vez, compartilhou com ela um poema que diz se sentir saudade, me avisa pra eu saber se o dia será azul ou cinza. E desde que a Aurora se foi, todos os seus dias são cinzas.


Ela vive esperando receber uma mensagem, pra ter certeza de que o seu sentimento é recíproco. Porque se for, ela pega o primeiro Guanabara e ignora esses 620 km.


• Se a Aurora disser que sente saudade, a Tereza joga tudo pro alto e vai viver a vida ao lado dela. Começa do zero. Recomeça. Reinventa.


Quando estavam juntas, o programa de domingo das duas era ler o the stories fazendo uma chamada de vídeo. A Tereza fazia o café, e contava a história pra Aurora.


Hoje, elas não leem mais pelo telefone. Mas a Tereza espera que esse correio chegue ao destinatário. E se a Aurora contar que os seus dias também estão cinzas, será que dá pra fazer uma aquarela?


Informações e imagens: The stories/Reprodução



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